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Uma opinião sobre o debate no São jorge

Tendo recebido o vosso convite, desloquei-me hoje ao S. Jorge, na esperança de encontrar um verdadeiro debate.

Como sou firme defensor da democracia participativa, não posso deixar de louvar qualquer iniciativa que promova debate, a fortiori debate entre cidadãos e representantes de forças políticas, candidatos às eleições autárquicas, salvo erro um deles também deputado à Assembleia.

Dispus-me, pois, a ouvir, e tinha preparado uma intervenção em três pontos. Por razões completamente alheias à vossa vontade, as intervenções dos representantes dos partidos azedaram, a tal ponto que algumas das pessoas presentes saíram da sala, e eu estive quase a fazer o mesmo nessa ocasião.

Mas fiquei. Esperei pelo início do "debate". Depressa realizei que não ia haver debate, mas sim perguntas, curtas e dirigidas a cada um dos membros da mesa.
Às primeiras respostas, ficou claro que o debate prosseguia, mas na mesa, através dos confrontos partidários. Perdi a paciência e saí, muito enervado.

Não sei até que ponto o modelo das sessão seguido pelo moderador foi da vossa lavra, de sua iniciativa, ou imposto pelos membros da mesa. O certo é que, tendo vivido 20 nos no estrangeiro, nunca vi tal coisa!

Como não vos posso nem quero imputar qualquer responsabilidade pelo sucedido, e eu próprio reconheço que, se não fosse ter-me enervado, até talvez pudesse ter feito a minha intervenção, resolvi enviar-vos esta mensagem, principalmente por achar que tratando-se de um problema que vocês sentem certamente de forma mais aguda, mas que diz respeito a toda a gente, não adianta degladiar-nos, mas sim procurar soluções em conjunto.

Eis, por conseguinte, o que pretendia ter referido na minha intervenção.

Ponto prévio: sou fortemente a favor da bicileta. Vivi 20 anos na Bélgica, sempre tive bicicleta e utilizei-a extensamente. Agora, com 53 anos, não posso andar de bicicleta devido a problemas nas costas e uma fractura no pulso. Por conseguinte, utilizo vários meios de transporte. A pé, transportes públicos, automóvel. Consoante as necessidades, os horários, os percursos.

Primeiro ponto, a questão ética. Custa-me muito que num país democrático, embora seja perfeitamente legítimo que grupos de cidadãos se formem para defender interesses que são comuns ao grupo, se estabeleçam dicotomias do género "pessoas e carros". Dicotomia aliás utilizada várias vezes pelo actual Presidente da CML. Acontece que esta "coisificação" dos automobilistas, que os exclui da categoria de "pessoas", não só é incorrecta, mas muito perversa, e frisa o fascismo. Trata-se, a meu ver, de uma discriminação inaceitável, não só por lhes negar o estatuto de pessoas, mas porque pretende demonizá-los de duas maneiras. Primeiro, atribui-lhes uma espécie de culpa generalizada por todos os malefícios que atingem a mobilidade dos peões. E depois, parte do princípio de que os automobilistas têm escolha, e que só não andam a pé, de bicicleta ou de transporte público porque não querem. Ora, não só isto é inteiramente falso, como é ainda revelador de uma outra discriminação, aquela que atribui inteira legitimidade às necessidades de deslocação dos peões, e a nega às dos automobilistas. Falemos, por favor, de "peões e automobilistas", em vez de "pessoas e carros", OK?

Em segundo lugar, a questão da legalidade. Naturalmente que qualquer pessoa de boa fé não vos pode negar razão neste ponto. Os carros não devem estar em cima dos passeios e das passadeiras nem obstruir a passagem quer de peões quer dos outros automobilistas. Porém, sejamos equitativos. Se se pretende a aplicação estrita da Lei, então TODOS temos de a respeitar. Como sabeis, em Portugal muito poucos peões respeitam os semáforos ou as passadeiras! Os motociclistas andam a mais de 100 à hora dentro da cidade, fazem ultrapassagens pela direita e no meio do tráfego, e as próprias bicicletas não respeitam nada, como se o código da estrada não lhes dissesse respeito. Foi, aliás, muito interessante, ler na brochura que vocês distribuiram intitulada "A Jingla nº1", a vossa apologia deste desrespeito, quer em relação ao capacete, quer aos sinais!!! Tenham tento. Na Bélgica e na Holanda, não só os sinais têm de ser respeitados pelos ciclistas, como o uso do capacete é obrigatório, e é também obrigatório fazer com a mão os sinais de mudança de direcção. Um ciclista não pode usar uma passadeira de peões montado na bicicleta. Até os peões podem ser multados. Eu fui, por não atravessar na passadeira. Só se pode atravessar fora da passadeira se ela estiver a mais de 25 metros! Se querem fazer denúncias à Polícia e que os automobilistas sejam multados, vocês deviam assumir as mesmas responsabilidades. Ou não?

Em terceiro e por último, as soluções. Foi referido por Heitor de Sousa e por Nunes da Silva o essencial da questão; não sei se posteriormente à minha saída aprofundaram o assunto. Mas, é óvio que a Gestão e Ordenamento do Território constitui a solução, não o Estado Fascistóide-Repressivo! A Cidade é um espaço comum com múltiplos utilizadores, cada um com as suas necessidades. E temos de partir do princípio, em Democracia, que todas elas são legítimas! Ora, deste modo, o que faz sentido é em primeiro lugar procurar saber o que faz com que as pessoas tenham necessidade de se deslocar. Dou-vos uma dica: enquanto o Concelho de Oeiras favoreceu nos últimos 30 anos a implantação de fábricas e de escritórios, o de Almada, por exemplo, ou o de Loures, quase não o fizeram. As zonas de lazer ou de comércio de Lisboa concentram-se ao longo dos mesmos eixos que constituem as principais artérias de comunicação, e o crescimento desenfreado de cidades-dormitório, com facilidade de acesso ao Centro atraem muitos milhares de pessoas para os mesmos locais. Muito recentemente, a Simonetta Luz Afonso e o manuel Salgado aperceberam-e de que a cidade deve ser gerida de acordo com o princípio do "Desenvolvimento integrado" que já existe há 35 anos e que as autoridades e os responsáveis têm sempre ignorado. É necessária uma política de solos coerente, e é necessária uma gestão cooperativa, mas centralizada dos Concelhos que compõem a área metropolitana. Só assim é que se pode esperar que daqui a 10, 15, 20 anos, existam nas proximidades dos locais de habitação, todas as funções urbanas que permitam reduzir as deslocações. Então poder-se-há andar livremente a pé ou de bicileta e ir trabalhar, fazer compras ou encontrar diversão num raio de 1 ou 2 quilómetros à volta de casa.

Até lá, em vez da repressão e do ódio, proponho que também vocês façam pressão para que sejam adoptadas, por exemplo, políticas como as biciletas de Paris (onde, não sei se sabem, a autarquia não dispendeu um cêntimo pois fez um acordo com a JCDecaux), ou Barcelona, onde além disso o Metro circula toda a noite aos fins-de-semana, reduzindo deste modo os acidentes devido ao álcool mas também o número de carros que circulam.

Pois, se se oferecer transportes alternativos às pessoas que têm NECESSIDADE de utilizar o automóvel para certos percursos, haverá menos dificuldade em estacionar e menos carros nos passeios, NÃO VOS PARECE? Se, por exemplo, passar a haver supermercados abertos até mais tarde ou mais mercados ou mini-mercados, quem tem de trabalhar e chega tarde a casa não precisa do carro para ir a correr fazer compras ao outro lado da cidade antes de vir para casa, por exemplo!

Por favor, dediquem-se a fazer pressão para políticas de facilitação, que sejam do interesse de TODOS, em vez de quererem fazer uma guerra disparatada e inútil.

Obrigado e fiquem bem.
JSM
Lisboa

O risco de andar distraído nos passeios de Lisboa

Público 28.10.2008, José Vítor Malheiros

"Tolerância Zero para o estacionamento em cima do passeio ou em segunda fila" foi uma promessa de António Costa. Não sei exactamente há quanto tempo, mas já foi há anos a primeira vez que um automobilista me buzinou, a mim, peão, para que eu me afastasse do lugar onde estava (de pé no passeio, na Praça do Areeiro, em Lisboa) porque ele, automobilista, queria estacionar o seu carro ali, onde eu estava parado, no passeio. Eu estava no caminho, a atrapalhar, e ele deu um toquezinho de buzina, só para me avisar que ele queria ir para ali, precisamente para aquele sítio onde eu, peão, estava, no passeio, a atrapalhar.

A
partir daí, as coisas não pararam de... como dizer?... de "evoluir"?

Os carros foram invadindo os nossos passeios, em geral estreitos, em geral esburacados, já ocupados selvaticamente por sinais de trânsito, caixas da EDP, semáforos, postes de electricidade, candeeiros públicos, sinalizações diversas, caixotes de lixo, parquímetros, etc.
A esmagadora maioria dos nossos políticos nunca deu por isto - incluindo os presidentes das câmaras - porque há muitos anos que não anda a pé. Têm motoristas com ordens para não respeitar os limites de velocidade porque eles estão a tratar de coisas importantes que não podem esperar. Andar a pé é para os pobres e eles, graças a Deus, não são pobres. Ou já não são - graças a Deus. Fica bem dizer na televisão que vão "devolver os passeios aos peões" mas no fundo nem sequer percebem qual a necessidade, porque afinal os peões conseguem contornar os carros ou ir para a estrada se for preciso, não é? É verdade que os velhos têm menos mobilidade, mas mesmo esses até ficam mais bem servidos (os políticos dizem "melhor servidos" porque já não são pobres mas a educação nem sempre fica muito bem colada às meninges) se andarem na estrada pois toda a gente sabe que a calçada "portuguesa" se gasta e fica escorregadia.

Devíamos estabelecer, como parte obrigatória de todas as campanhas autárquicas, percursos que calcorreassem a cidade, a ser realizados por todos os candidatos, em três modalidades: a) a empurrar um carrinho de bebé, b) com dois sacos de compras e um guarda-chuva nas mãos e c) em cadeira de rodas. Não para os castigar, mas para que aprendessem. Trata-se de situações que muitos milhares de cidadãos experimentam todos os dias.

A "evolução" dos carros no passeio levou a que, há dias, um amigo meu tenha sido atropelado. Atropelado por uma camioneta quando estava... no passeio.

A camioneta estava estacionada no passeio (parece que era um sítio mesmo bom, à sombra e tudo), decidiu fazer uma manobra e zás, atropelou o meu amigo, que teve de receber tratamento no hospital.

Há vários pormenores picantes: um deles foi o comentário de um dos ocupantes do camião, que disse ao atropelado que a culpa tinha sido dele porque estava distraído no passeio (de facto, estava a tirar uma fotografia). O outro é o facto de a camioneta, de uma empresa privada, estar ao serviço da Câmara Municipal de Lisboa quando teve lugar o acidente. A mesma que é presidida pelo presidente que garantiu (9.ª das dez promessas de António Costa) que haveria "Tolerância Zero para o estacionamento em cima do passeio ou em segunda fila".

O estacionamento em cima do passeio é causa não apenas de um enorme incómodo mas de perigo. Quando se estaciona em cima do passeio (explico para benefício de presidentes de câmara), isso significa que se sobe para o passeio, que se desce do passeio e que, muitas vezes, se fazem manobras em cima do passeio (há desenhos que ilustram a versão on-line deste texto para mais fácil compreensão). E é, para além disso, um sinal de desrespeito dos outros e da lei. Quem estaciona no passeio acha que a lei pode ser ignorada, que a polícia pode ser gozada e que um presidente da câmara não sabe contar até nove. Sabe? Jornalista (jvm@publico.pt)

Opinião

O Automóvel Club de Portugal divulgou um comunicado em que, entre outras coisas - sempre a favor da circulação automóvel em prejuizo de alternativas de transporte público ou de mobilidade suave - declara-se contra a proposta de eléctricos rápidos por ser esse "um modelo utilizado internacionalmente para cidades pobres, como Bogotá".

Publicamos aqui uma reacção a esse comunicado do ACP, assinada pelo seu autor.


O novo-riquismo é uma doença de carácter que se caracteriza pelo medo-pânico de parecer pobre. Conduz a comportamentos frequentemente ridículos de ostentação desenfreada, e impõe a quem sofre dessa doença um estado de sobressalto permanente. Tem entre pessoas que enriqueceram derrepente as suas vítimas preferenciais, mas, mais raramente, atinge pessoas já nascidas ricas e, ainda mais raramente, atinge instituições.

Como não há nada que faça supôr que as ideias adoptadas por países pobres são necessariamente más (ou boas), julgo que o ACP foi tomado por um surto agudo de novo-riquismo quando esgrimiu como argumento contra a proposta de criação de linhas de electricos rápidos em Lisboa o facto de ser "um modelo utilizado internacionalmente para cidades pobres, como Bogotá".

Sem chegar a entrar no mérito dos eléctricos rápidos, não posso deixar de apontar o carácter tacanho da argumentação do ACP, que, de resto, é perfeitamente condizente com a cultura de fetichismo automobilístico que impera em Portugal. É o carro como símbolo de poder, instrumento de ostentação de uma riqueza que, às vezes, falta para as prestações da casa. "Eléctricos, bicicletas, autocarros, combóios, bah, isso é coisa de pobre", é o que, tirado o verniz, fica do comunicado do ACP.

Mário Negreiros

PS: Por acaso, não me consta que Lisboa seja uma cidade rica.

Opinião

O Passeio Livre é uma plataforma cívica que ao longo dos últimos meses tem justificado a sua acção com fotografias e testemunhos que demonstram o estado geral do estacionamento nas cidades portuguesas. Se agimos é por acreditarmos que a falta de vontade e de meios das autoridades para controlar o estacionamento abusivo tem prejudicado a qualidade de vida de todos. Temos direito a exigir uma mudança neste estado de coisas porque ele é um fenómeno recente e descontrolado mas que pode alterar-se.

A nossa linha editorial tem evitado apresentar as opiniões de cada um dos seus elementos. Tal deve-se, naturalmente, a divergências quanto às soluções do problema, solução essa que passa irremediavelmente pelo poder político. A nossa opinião é que não é de todo justo que sejam os peões a ser afectados em exclusivo pela falta de espaço que o excesso de automóveis numa dada cidade obriga.

No caso de Lisboa, cidade onde sempre vivi, a gravidade do problema é notória. É um flagelo vergonhoso. Ainda ontem, o DN publicava outro sinal de alarme, onde os automóveis, como conjunto, são os directos e únicos culpados. O estudo conclui que há uma correlação entre a poluição e a mortalidade. Atribuir a causalidade é uma questão mais delicada mas não sejamos ingénuos ao ponto de menosprezar os factos apresentados e que um passeio a pé nos permite de imediato sentir.

A nossa linha editorial tem apresentado dados brutos: fotografias de profundo desrespeito dos automobilistas pelos peões. Um juízo mais abrangente compete aos leitores. Não temos fornecido pistas. Até hoje. Que me perdoem os restantes elementos do Passeio Livre mas há situações em que não devemos ficar indiferentes. Li há momentos uma declaração do presidente do ACP, o Sr. Carlos Barbosa.

É decerto muito curioso que um clube de automóveis tenha ambições de interferir no processo político. Não só isso, fiquei com a impressão de que o Sr. Carlos Barbosa julga defender a própria cidade através da defesa de um meio de circulação. Só demonstra o peso que o automóvel tem na nossa sociedade. Não quero defender a posição de António Costa, até porque me parece que propor limitações ao trânsito automóvel sabendo-se que a nova ponte introduzirá mais volume de tráfego é contraditório. Contudo, mais do que uma posição política, o que me parece de valor é a mudança de discurso que é inaugurada. Quer António Costa quer Manuel Salgado, a julgar pelas suas palavras, pretendem valorizar outras formas de mobilidade e introduzir um novo equilíbrio nos transportes; para já é a zona ribeira mas quanto a mim é algo que será necessário introduzir em toda a cidade.

É por isso que a posição do presidente do ACP deve ser refutada e criticada. Não pode ser levada a sério, é apenas uma caricatura que mais cedo ou mais tarde pertencerá ao passado. Defender a cidade e os seus habitantes não é o mesmo que defender o automóvel. Defender o automóvel no estado actual de coisas é precisamente o contrário. É prejudicar quem cá vive. Se o Sr. Carlos Barbosa diz que quer evitar uma ilegalidade e evitar o caos na cidade de Lisboa eu pergunto-me se conhece realmente a cidade.

Onde está o paladino quando diariamente os automóveis introduzem ilegalidades? Onde está a preocupação perante o caos, o feio e a poluição que os automóveis trazem? Como pode alguém afirmar sem se rir que é uma coisa irrealista, que é pôr a cidade a andar de bicicleta e a pé?

A qualidade e eficiência dos transportes públicos e dos modos suaves estão directamente relacionadas com as desvantagens da viatura particular. É claro que uma viatura é muito mais confortável, mas apenas para o seu utilizador. O que deve ser apreciado é que as desvantagens para todos são muito maiores que a vantagem particular. A conclusão é que o tráfego automóvel em Lisboa tem de ser diminuído através de taxas dissuasoras e fiscalização mais apertada. Ou o presidente do ACP mente ou o presidente da ACP é ignorante. Não há outra possibilidade.

Tiago Mesquita Carvalho