Liberterem as Marias (Penha de França, Lisboa)


Um dia, Catarina e Francisco Sousa queriam sair de casa com as duas filhas bebés e ficaram toda a tarde retidos no hall de entrada do prédio. Mesmo em frente à porta estava um carro estacionado que lhes impedia a passagem. “Ligámos a pedir um reboque à hora de almoço e saímos daqui às seis da tarde”, descreve Francisco.

As Marias ainda são demasiado pequenas para entender por completo a irritação dos pais, mas diariamente são vítimas de uma situação que não é assim tão rara em Lisboa. Na Rua Sousa Viterbo, uma das artérias do Bairro Lopes, os carros estacionam em cima dos passeios e quase não sobra espaço para os peões. Se andar a pé pode ser difícil, em cadeira de rodas ou com um carrinho de bebé é quase impossível. E o caso fica ainda mais bicudo quando o carrinho é duplo.

Quando se mudaram para esta rua, há dois anos, a primeira filha do casal tinha poucos meses de idade. “A rua estava em obras e tivemos esperança de que a situação ficasse resolvida”, explica Catarina. Nasceu entretanto outra menina e o problema agudizou-se.

O Bairro Lopes, paredes meias com o Cemitério do Alto de São João, teve em 2017 algumas obras de remodelação de passadeiras, mas o ordenamento do estacionamento na Rua Sousa Viterbo, que estava previsto, ficou por fazer. Os automobilistas continuaram a estacionar parcialmente em cima dos passeios e a prática até se tornou legal, pois apareceram na rua sinais de trânsito a autorizá-la.

“É completamente surreal, começámos a tentar resolver esta situação há mais de um ano”, insurge-se Catarina de Sousa. As queixas que fizeram à câmara municipal e à junta da Penha de França levaram esta última a colocar umas floreiras à porta do prédio, que impossibilitam o estacionamento de automóveis e lhes dão acesso à rua. Na verdade, como o restante passeio continua ocupado por carros, a única via aberta é directamente para o meio da estrada.

É por aí também que circulam muitos outros peões. “Há uma unidade de saúde familiar e uma creche ao fundo da rua, há um tráfego pedonal constante de pessoas particularmente vulneráveis”, diz Catarina, sublinhando que a sua luta não é só sua. “Aqui às vezes não passa o camião do lixo. E um carro de bombeiros dificilmente passaria”, acrescenta Francisco.

Este Verão, “quando a situação estava completamente insustentável”, o casal começou a expor os obstáculos do dia-a-dia em várias redes sociais, onde mantêm as páginas “Libertem as Marias”. “Não é razoável que tenhamos de andar atrás da câmara e da junta para elas cumprirem a sua missão básica. A razão de existir destas entidades é defender os moradores”, diz Catarina.

A denúncia nas redes sociais surtiu o primeiro efeito de levar o vereador da Mobilidade, Miguel Gaspar, a interessar-se pelo tema e a deslocar-se pessoalmente ao local. Só que as obras de 2017 foram feitas pela junta de freguesia e, por isso, a câmara chutou a responsabilidade para esta autarquia.

Em resposta ao PÚBLICO, a junta da Penha de França diz que “solicitou à câmara um contrato de delegação de competências para o ordenamento do estacionamento na Rua Sousa Viterbo”, prevendo “que até ao final do ano a intervenção esteja concluída”. Para 20 de Novembro está prometida uma reunião com os moradores do bairro para lhes apresentar o projecto. E porque é que as obras de 2017 ficaram por concluir? “A junta de freguesia aguardava que a câmara criasse ou delegasse na junta soluções de estacionamento que minorassem a perda de lugares que a aplicação do Código da Estrada implica”, responde a autarquia, liderada por Sofia Dias.

Em Campolide, “anda-se à caça de lugar” e paga-se para se estacionar no passeio. A câmara planeia fazer obras na Parada do Alto de São João, junto ao Bairro Lopes, no âmbito do seu programa Uma Praça em Cada Bairro. Apesar de ainda não haver datas de concretização nem projecto fechado, a intenção da autarquia até é aumentar o número de lugares de estacionamento naquele local, estando também em estudo a construção de um silo automóvel nas proximidades.

Entretanto, Catarina e Francisco lançaram uma petição online que reuniu umas 270 assinaturas e que já entregaram na assembleia municipal. Ainda fizeram uma queixa à Provedora de Justiça e tiveram reuniões com partidos políticos. “Nunca pensei ter de andar a pedir aos grupos parlamentares para me ouvirem porque não conseguia sair à rua”, desabafa Catarina.

Fonte: jornal Público.

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